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Muito prazer: meu nome é separatismo

  • Paulo Manrique
  • 20 de dez. de 2014
  • 10 min de leitura

Esqueça tudo o que você leu até hoje sobre separatismo. Esqueça essa conversa de que é preconceito, de que uma região se acha melhor que a outra, de que são pessoas covardes querendo fugir dos problemas do país. Neste post você vai aprender sobre os conceitos e filosofias separatistas e as razões de alguns movimentos do Brasil. Prometo que não será uma leitura cansativa e nem doutrinadora, apenas informativa, assim você poderá refletir sobre o assunto. Então pegue uma xícara de café e vamos em frente.


O que é separatismo?

Separatismo é o desejo de uma região ou povo de se separar administrativamente de quem atualmente detém o poder sobre sua região ou povo. Tal desejo pode ocorrer entre pessoas de um bairro, que não se sentem acolhidos adequadamente pela prefeitura da cidade na qual pertence, pode ocorrer em um conjunto de cidades que não se sentem amparados pelo governo do estado, assim como pode ocorrer com estados ou regiões descontentes com a administração do país.

Como era de se esperar, prefeitos e governadores são contra esses movimentos emancipacionistas, uma vez que eles perdem arrecadação com isso. Neste ano, o congresso aprovou a criação de novos municípios ¹,², mas a presidente da república vetou para agradar aos prefeitos que não estavam nada felizes com essa ideia.

Em 2011 ocorreu um plebiscito pela separação do estado do Pará em 3: Pará, Tapajós e Carajás. As propostas para a criação dos dois novos estados foram rejeitadas por 66,60% a 33,40%, resultado facilmente explicável pelo fato de que não foram apenas as regiões que desejavam se separar que puderam votar, mas a região onde ficaria o Pará remanescente. Na capital Belém, com mais de 2 milhões de habitantes, as votações pelo não nas duas perguntas (uma pra cada novo estado), ficaram em 94%, ou seja, Belém conseguiu impedir a divisão desses estados sozinha.

Outra razão para o separatismo, são as diferenças culturais entre estados e regiões, algo muito comum em países do tamanho do Brasil.


Porquê regiões geralmente decidem se separar?

O separatismo geralmente fica forte em dois cenários: o primeiro, quando as diferenças culturais são muito grandes. Neste caso, podemos citar os Curdos que revindicam um país em uma região que abrange parte do Iraque e da Síria, podemos citar também os canadenses da província do Quebec que querem manter suas raízes francesas e também podemos citar o caso da região sul do país.

O segundo cenário, é de quando a insatisfação com a administração pública extrapola os limites do aceitável e essas pessoas perdem a fé que qualquer político irá olhar para elas com mais atenção. Esse cenário ocorre com muita frequência em municípios, onde os prefeitos tendem a beneficiar as regiões mais prósperas ou centrais das cidades em detrimento das regiões periféricas. Esse segundo cenário também foi o combustível para os movimentos separatistas de Carajás e Tapajós, assim como para movimentos como o “São Paulo do Sul”, que queria separar alguns municípios da região do Vale do Ribeira no estado de São Paulo.

É neste cenário, também, que se pautam os movimentos separatistas da região Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. Abaixo falarei brevemente sobre as razões de cada região.


Região Sul

O principal movimento separatista da região sul é o Movimento “O Sul é Meu País“. O movimento defende que os sulistas tem uma cultura muito diferente do resto do país, razão justificada pela diferente colonização que a região teve. Motivos econômicos também pautam o movimento, uma vez que os 3 estados do sul fazem parte do grupo de “estados pagadores”, ou seja, estados que mais arrecadam impostos federais,. do que recebem de retorno. Tal cenário é grave, principalmente no estado do Rio Grande do Sul, que hoje tem a maior dívida proporcional dos estados brasileiros. Por conta dessa dívida, o RS paga os piores salários para professores e policiais militares do país, além de ter enormes dificuldades em melhorar sua infraestrutura. A dívida do estado em 2014, é de R$ 75 bilhões. Em compensação, só em 2013, o estado arrecadou R$ 54 bilhões em impostos federais, porém apenas 12,6 retornaram ao estado e seus municípios. Ou seja, para um estado com uma dívida de 75, perder 41,5 em apenas um ano, é algo extremamente prejudicial.


Rio de Janeiro

O movimento separatista fluminense começou a ganhar forças em 2013 com a discussão dos royalties do Petróleo. Seguindo a mesma lógica dos estados do sul, o Rio de Janeiro arrecadou R$ 204 bilhões em 2013, tendo apenas R$ 26 bilhões de retorno. Não bastasse essa disparidade imensa, em um estado com regiões extremamente pobres e carentes, o Rio de Janeiro também perdeu os royalties do Petróleo, que é extraído em grande parte na sua costa, gerando custos altíssimos de estrutura, além de problemas ambientais para essas cidades.


São Paulo

O estado é a indiscutivelmente a “locomotiva do Brasil”. Responsável por 40% da arrecadação do país, em 2013 arrecadou R$ 455 bilhões e teve apenas R$ 32 de retorno. A perda de R$ 423 bilhões, é mais do que o dobro do orçamento do governo do estado de SP e responde a quase 1/3 do PIB do estado. O estado também sofreu com uma migração interna em massa no século passado, que trouxe benefícios, mas também trouxe diversos problemas, dentre eles, a descaracterização da cultura paulista, pauta dos principais movimentos do estado.


Representatividade política

Outra questão relevante nos três exemplos dados acima, é que tais estados não tem uma representatividade política no congresso nacional, adequada para o tamanho das suas populações. Para se ter um exemplo, um deputado federal pelo estado de São Paulo, o mais populoso do Brasil, representa aproximadamente 660 mil habitantes. Em comparação, um deputado por Roraima, o estado menos populoso, representa apenas 60 mil pessoas. Essa disparidade de representação acontece no Brasil desde os tempos do império, tendo fases onde os estados mais populosos tinham mais representatividade e a atual onde acontece o inverso.


Mas só o separatismo resolve esse problema?

Não, várias medidas poderiam solucionar, ao menos os problemas econômicos e de representatividade. Pra começar, o Brasil é um país que centraliza demais o poder na União. O artigo 22 da constituição diz:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

II – desapropriação;

III – requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra;

IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

V – serviço postal;

VI – sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;

VII – política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;

VIII – comércio exterior e interestadual;

IX – diretrizes da política nacional de transportes;

X – regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial;

XI – trânsito e transporte;

XII – jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;

XIII – nacionalidade, cidadania e naturalização;

XIV – populações indígenas;

XV – emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros;

XVI – organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;

XVII – organização judiciária, do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e da Defensoria Pública dos Territórios, bem como organização administrativa destes; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 69, de 2012) (Produção de efeito)

XVIII – sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais;

XIX – sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular;

XX – sistemas de consórcios e sorteios;

XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;

XXII – competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais;

XXIII – seguridade social;

XXIV – diretrizes e bases da educação nacional;

XXV – registros públicos;

XXVI – atividades nucleares de qualquer natureza;

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

XXVIII – defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional;

XXIX – propaganda comercial.

Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;

VIII – fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;

IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;

XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;

XII – estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.


Ou seja, por mais que o Brasil seja em teoria uma federação – por isso que o nome do nosso país é “República FEDERATIVA do Brasil”, na prática, todo o poder está centralizado na União. Por conta disso, estados e municípios são extremamente limitados na hora de legislar. Tal modelo gerou o que eu chamo de “presidente-Deus”. Esse nome vem em mente porque nas campanhas presidenciais, não parece que estamos votando em um ser humano para presidente, parece que estamos votando em alguma espécie de Deus onipotente para resolver todos os nossos problemas. E na prática não é isso que acontece.

Ocorre que o Brasil já foi uma federação, durante o período da república velha. E somente São Paulo e Minas ficaram felizes com isso, enquanto os outros estados não achavam justo que os dois mantivessem para si os lucros das exportações. Como resultado, Getúlio Vargas deu o golpe de 1930 e centralizou todo o poder na capital. E essa lógica vem perdurando até hoje.

É nesse momento que mais uma mentira sobre o separatismo cai: tais movimentos se formaram por conta desses problemas e não por aversão ao Partido dos Trabalhadores. Esses problemas começaram antes mesmo de qualquer dirigente do PT ter nascido, e eles continuaram desde o estado novo, passando pelo regime militar, e por todos os presidentes democráticos. Nenhum partido político brasileiro, seja de qual ideologia política for, tem interesse em resolver esses problemas. Até porque, eles tem que se posicionar como “deuses” na hora de concorrer a um cargo.

E sem a influência do executivo, o legislativo nada vai fazer, porque esse modelo atual beneficia os estados mais pobres, que por um acaso são os menos populosos, mas detém um enorme poder político.


Destino dos recursos

Neste momento você pode estar pensando: “ah, mas daí os estados mais pobres não terão como sobreviver, isso é egoísmo e etc”. Ocorre que esse dinheiro todo que vai pro governo federal não vai para os estados mais pobres. Os estados mais pobres, receberam A MAIS do que arrecadaram, em 2013, por volta de R$ 40 bilhões. Isso é menos de 10% do que São Paulo perdeu sozinho. Ocorre que TODOS os presidentes do Brasil, sejam militares ou civis, fizeram uma dívida pública imensa, além de um rombo enorme na previdência.

Em 2013, o orçamento do Brasil foi de R$ 1,4 trilhões. Destes, por volta de R$ 750 bilhões foram para pagar a dívida pública e os juros da mesma, R$ 350 foram para a previdência, R$ 50 para as aposentadorias e pensões dos militares e R$ 50 para o seguro desemprego. Ou seja, dos R$ 1,4 trilhões, 1,2 foram para pagar dívidas e salários para quem não gera riquezas para o país. Sobraram R$ 200 bilhões pra tocar o país.

Note que eu não estou dizendo que tais pessoas não tem direito a esse benefício, mas apenas mostrando que se gasta mais do que o dobro em salários de quem não gera riquezas, do que se gasta efetivamente para desenvolver e tocar o país.

O que fica provado, é que a União se mostrou incompetente para gerir tais assuntos, em especial a dívida pública. Que se divida então as dívidas entre os estados e que cada um deles procure maneiras de pagar as suas dívidas.


Preconceito, xenofobia e etc

Um dos argumentos mais comuns contra o separatismo, é de que se trata de preconceito contra as outras regiões do país, que não gostam de nordestinos, ou que se sentem melhor que os outros. Esse argumento é falacioso, porque ignora o tanto de imigrantes nordestinos que vivem principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. A falta de recursos que esses dois estados tem, afeta também a vida desses nordestinos, como afetam a vida de imigrantes de todos os lugares.

Um nordestino, ou mineiro, ou fluminense, ou sulista, ou japonês, ou português, ou de onde quer que ele tinha vindo, paga os mesmos impostos que um paulista nato. Ele pega os mesmos metrô e ônibus lotados, pega a mesma fila no hospital público, nenhum ladrão pergunta pra ele de onde ele veio antes de assaltar, nenhum assassino pergunta sua procedência antes de matar. Todos enfrentam exatamente os mesmos problemas.

Outro ponto levantado, é de que tais imigrantes nesses lugares iriam embora para não ser separados de suas famílias em seus locais de origem. Isso é outra falácia, porque ninguém falou em fechar fronteiras, apenas em AUTONOMIA ADMINISTRATIVA. Eu não preciso que o meu vizinho de palpite sobre as contas da minha casa para ter sempre as portas abertas pra ele. Assim como eu não preciso fechar as fronteiras para quem quer que seja, para ter autonomia administrativa.

Por fim, o nordeste teve algumas revoluções separatistas nos tempos do império e ainda hoje, em Pernambuco, existe um movimento separatista. Além disso, se formos levar em conta algumas pessoas que dizem que ser separatista “é se achar melhor que os outros” (teve até historiador fazendo analogia ao nazismo), também devemos nos considerar nazistas por termos nos separado de Portugal. Devemos também considerar nazistas todos os municípios que se emanciparam de outros, além dos novos estados que foram criados desde a fundação do nosso país. Fica fácil ver como não tem nada a ver querer rotular as pessoas sem entender suas causas e razões né?

Nos próximos artigos, estarei abordando os benefícios que países menores tem. Convido-o para ler dois que já estão no site. Um se chama “Países menores permitem sistemas políticos inovadores“, onde listo uma série de medidas diferentes e inovadoras que países pequenos podem colocar em prática. Medidas que reduziriam o custo político, que aumentariam a participação popular na política e que tornaria muito mais difícil a corrupção.

O outro artigo, é uma tradução do Financial Times, “Ser Grande pode não ser o melhor para a maioria dos países“, onde eles listam uma série de benefícios que países pequenos tem em relação aos grandes no campo econômico.


Fonte: https://separatismo.org/muito-prazer-meu-nome-e-separatismo/


 
 
 
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